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Investigador do CES-UC e IHC-UNL
De que estamos à espera?
"Quer o Presidente da República quer o Primeiro Ministro se pronunciaram no sentido desta crucial reforma (regionalização) ser inscrita na ordem do dia da próxima legislatura".
07 Jan 2022, 09:00

Há dias, foi notícia a declaração da ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, que numa cerimónia pública terá dito – para mais tarde vir a tentar canhestramente emendar a mão… – que “este é um dos governos mais centralistas que o país já teve”. Se o governo merece ou não este epíteto, é motivo de discussão, e talvez seja injusta, dadas as muito tímidas reformas que tem tentado levar a cabo. Já que o estado do país é bem caracterizado pela afirmação da governante, não restam muitas dúvidas.

Foi publicado, há pouco, o Anuário Financeiro dos Municípios Portugueses referente a 2020, um trabalho de Maria José Fernandes, Pedro Camões e Susana Jorge (edição da Ordem dos Contabilistas Certificados). Nele se espelha a realidade fortemente centralista do nosso ordenamento político-administrativo, em contradição com os princípios constitucionais em vigor desde 1976. Veja-se o que diz a nossa constituição logo a abrir:

Artigo 6.º – Estado unitário

1. O Estado é unitário e respeita na sua organização e funcionamento o regime autonómico insular e os princípios da subsidiariedade, da autonomia das autarquias locais e da descentralização democrática da administração pública.

Ora, o que vemos, não faz justiça a tais princípios. Tomando como indicador o peso da despesa pública realizada por cada um dos níveis da administração, verifica-se que os 308 municípios portugueses são responsáveis tão só por 11,5% dessa despesa.

É conveniente adoptar uma perspectiva comparativa e, para isso, podemos socorrer-nos de uma publicação da OCDE: Subnational governments in OECD countries (edição 2018). Se excluirmos os países que assumem uma estrutura federal ou quase federal, em que o conjunto dos níveis sub-nacionais atingem valores muito expressivos (Alemanha: 48,1%; Bélgica 49,8%; Espanha 49,2%) e que não devem ser, directamente, comparados (embora os níveis “municipais” atinjam neles valores entre os 14% e os 18% da despesa pública), ficamos com os países de estrutura unitária.

O valor assumido pela OCDE como média dos seus 35 membros é de 40,4% para o conjunto das instâncias sub-nacionais, sendo que na União Europeia (ainda a 28) essa percentagem será de 33,4%. Se considerarmos neste último caso apenas o nível municipal, então, a média é de 23,3%. Ou seja: Portugal usa o poder municipal para canalizar menos de metade dos recursos médios da UE que são gastos por essa via. Menos do que nós, teremos a Grécia (que recentemente efectuou uma reforma descentralizadora) com 7,6%, a Irlanda com 8,7%, e os pequenos países como o Luxemburgo (11,2%), Chipre (3,1%) e Malta (0,9%), em que a questão do centralismo não se coloca ao mesmo nível.

Como não concluir que temos um nível elevadíssimo de centralização? Como não pensar que o grau de desenvolvimento de um país tem relação com a eficiência de aplicação de fundos públicos e que neste campo a descentralização é um factor poderoso que concede aos cidadãos um grau acrescido de controle sobre o poder e o torna mais dialogante com as realidades sub-nacionais?

Tudo isto foi reafirmado, com veemência, pela generalidade dos autarcas portugueses reunidos em Dezembro no seu congresso, que voltou a insistir para que a Regionalização voltasse a ser colocada na ordem do dia.

Na verdade, desde 1976 que a Constituição prevê para o território do continente a criação de Regiões Administrativas – um preceito que tarda em ser cumprido – e que, não sendo idêntico ao processo que se instaurou nos arquipélagos atlânticos (onde a autonomia regional arca com uma fatia gorda da responsabilidade pelos níveis de desenvolvimento que, entretanto, se verificaram), pode conduzir a efeitos semelhantes.

Por ocasião do congresso dos autarcas, quer o Presidente da República quer o Primeiro Ministro se pronunciaram no sentido desta crucial reforma ser inscrita na ordem do dia da próxima legislatura.

Marcelo Rebelo de Sousa apelou a que o tema fosse objecto de tomadas de posição claras por parte dos partidos concorrentes às eleições de 30 de Janeiro, sugerindo que deixaria cair a sua conhecida hostilidade pelo tema; e António Costa comprometeu-se, no caso de vencer esse sufrágio, a propor um novo referendo com vista a resolver a questão a ter lugar em 2024. Poderemos esperar clareza nas propostas partidárias?

Talvez não haja tema na cena política que tenha feito correr mais rios de tinta do que este. Não está de boa fé quem afirma que ainda não houve debate suficiente

Talvez não haja tema na cena política que tenha feito correr mais rios de tinta do que este. Não está de boa fé quem afirma que ainda não houve debate suficiente. Mais do que debate: há hoje uma proposta elaborada por uma comissão interpartidária liderada pelo Eng.º João Cravinho que definiu um modelo e um calendário, que tem a vantagem de ter concitado um amplo apoio. A pergunta a fazer é: de que estamos à espera?

Que o Ano Novo traga, neste domínio, uma vida nova.

 

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

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