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Investigador do CES-UC e IHC-UNL
“NAL” ou “NAP” ?
Uma fotografia socioeconómica de Portugal não tem grande dificuldade em reconhecer que hoje o país está polarizado entre uma área metropolitana de Lisboa e outra centrada no Porto.
09 Ago 2022, 09:00

Mais uma vez veio à baila a magna questão que assombra há 50 anos os espíritos da Pátria, tão profunda ela é que ainda não foi desta que se arranjou maneira de tomar uma decisão – irrevogável!!! – sobre o chamado “Novo Aeroporto de Lisboa” (NAL). Parece que a discussão, que se iniciou ainda não tinha o MFA acordado para o derrube de Marcello Caetano e Américo Thomaz, não foi suficiente… Por isso, não estranhe o leitor que tenha eu escolhido este tema para a crónica que está perante os seus olhos.

Bem sei que me dirá: mas o senhor que escreve estas linhas não tem competência técnica para discutir a localização e outros aspectos estruturantes do famigerado NAL. Tem toda a razão: nem saberia como começar um Estudo Ambiental Estratégico. Se calhar, nem competência tenho para ler o que vier a ser escrito num português tecnocrático destinado a alguns iluminados que o haverão de traduzir em linguagem acessível à arraia miúda. Mas tenho – e esse direito não me pode ser negado – uma ideia. E sei que vou ser chamado a pagar por via dos meus impostos os milhares de milhões (!!!) que essa obra irá custar. Por isso ousei alinhavar umas palavras a este propósito. Desista já de ler o resto do texto se não estiver disposto a dar o benefício da dúvida ao que lhe quero dizer.

O transporte aéreo é hoje significativamente diferente do que era há 50 anos, quando se começou a discutir este assunto. E julgo não me enganar se disser que nos próximos anos essa forma de transporte irá sofrer ainda mais alterações. Basta pensar na dita “pegada ecológica”: por muito que os construtores se esforcem por produzir aviões mais silenciosos (ruido ambiental) e mais frugais em combustível (pegada carbónica), este é um meio de transporte ameaçado pela consciência verde. O que significa que é cada vez mais ameaçado pela concorrência de outros meios mais amigos do ambiente – por exemplo, pelo comboio. Há já países que estão a deixar de permitir realizar voos com duração inferior a 1 hora, situação que pode bem ser generalizada, sobretudo se o comboio de alta velocidade se expandir.

Parece que o NAL não irá contribuir para agilizar a ligação aérea entre Lisboa, Porto e Faro (voos de 30 minutos), seguindo um modelo de “ponte aérea” como a TAP tem procurado desenvolver – mas o tema da TAP suscita outras inquietações… Esse mercado terá dificuldade em subsistir, seja pelas restrições ambientais, seja pela concorrência externa do comboio. Este novo aeroporto estará fortemente vocacionado para deslocações de médio e de longo curso – ou seja, para a vertente externa (sem descurar as nossas ilhas atlânticas, que obviamente continuarão a necessitar de aviões). E é aqui que a minha pergunta tem lugar: queremos então um aeroporto “de Lisboa” ou um Novo Aeroporto de Portugal (NAP)? Devemos pensá-lo a partir de Lisboa, ou a partir do conjunto do território continental?

Uma fotografia socioeconómica de Portugal não tem grande dificuldade em reconhecer que hoje o país está polarizado entre uma área metropolitana de Lisboa e outra centrada no Porto. E que possui ainda um território densamente povoado entre estes dois polos – digamos, entre Braga e Setúbal. Pensando politicamente, estruturar esse corredor litoral é uma prioridade absoluta, combatendo um excessivo centralismo (característica da área metropolitana de Lisboa) e potenciando os factores de desenvolvimento presentes em todo este território de 400 kms de comprido onde mora cerca de 90% da nossa população. Ora, um dos elementos chave na estruturação de um território é precisamente o seu sistema de transportes.

O ministro Pedro Nuno Santos (honra lhe seja!) tem insistido no renascer do transporte ferroviário, apostando na criação de uma nova Linha do Norte para “comboios de velocidade elevada” (para não ferir susceptibilidades que o termo TGV poderia acordar). As suas palavras têm referido a utilidade de aproximar estes dois polos e de densificar as suas ligações, que beneficiam por arrasto a zona central do país. A decisão sobre o NAP deveria seguir as mesmas pisadas, e ser claramente articulada com o esforço de estruturação do corredor Braga/Setúbal.

Posto isto, porque não recolocar a hipótese de localizar o NAP a norte de Lisboa, na margem direita do Rio Tejo? À primeira vista (que pode ser enganadora), aproximar o NAP do tecido empresarial nacional – e já não apenas regional – pareceria uma solução a não ser descartada. É que o tecido produtivo português também inclui outros bens transacionáveis (e deveria produzir mais) e não pode ficar refém de um sector – o turismo – com elevado nível de volatilidade. Mas parece que o turismo é o alfa e ómega deste tema do aeroporto – e isso é um erro que se pagará caro. De facto, a margem esquerda do Tejo nem tem uma estrutura ferroviária adequada (nem o seu desenvolvimento é prioritário em função das prioridades nacionais), nem dispõe de uma ponte (caríssima!) que a construção nesse local de um aeroporto não deixaria de requerer

Aníbal Cavaco Silva teve um papel de relevo no descartar da solução Ota (a norte de Lisboa), quando ela parecia consensual. Esse episódio mostra que é sempre possível encontrar novas soluções quando os problemas que se colocam são eles próprios reformulados. Quer as perspectivas actuais de evolução do transporte aéreo, quer as preocupações (que Cavaco Silva não tinha) de coesão e estruturação moderna de um território dinâmico fora dos limites da “esfera de influência” da capital, e do predomínio do sector turístico, apontam para que em vez do NAL, se deva antes falar de NAP – tanto mais que não é nenhum fundo de desenvolvimento regional que vai pagar a obra, mas antes o contributo de todos os portugueses. Creio que temos o direito a que se volte a colocar em cima da mesa a hipótese de localização do NAP a norte do Rio Tejo, numa posição de maior proximidade em relação ao coração produtivo do nosso país.

 

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