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Investigador do CES-UC e IHC-UNL
Regionalização: que referendo? (Parte II)
“A criação das regiões é feita por uma lei que abrange o conjunto do território continental de Portugal”.
11 Abr 2022, 15:00

Tal como referido anteriormente, o referendo de 1998 não arrumou a questão sobre a regionalização definitivamente. Por outro lado, essa repetição do referendo sobre a IVG criou um precedente politicamente forte: uma decisão referendária só pela mesma via pode ser alterada. Trata-se de salvaguardar a integridade do instituto referendário, sob pena de o esvaziar totalmente de sentido. Assim sendo, não colhe também o argumento de que, se em 1997 se pôde fazer uma revisão constitucional que introduziu o referendo no processo, agora pode-se fazer uma outra que o volte a retirar. Seria a morte anunciada da ideia de referendo em Portugal.

Mais delicada parece ser uma outra questão: a da maioria que é necessária para aprovar a reforma. Na versão original, como vimos, era precisa uma dupla maioria – de assembleias e de população representada. Na versão actual, haverá que conciliar dois artigos.

Assim, o Artigo 255º (Criação Legal) estipula que:

As regiões administrativas são criadas simultaneamente, por lei, a qual define os respetivos poderes, a composição, a competência e o funcionamento dos seus órgãos, podendo estabelecer diferenciações quanto ao regime aplicável a cada uma.

Julgo que desta normativa se podem extrair duas ideias: a criação das regiões é feita por uma lei que abrange o conjunto do território continental de Portugal, mas o estatuto delas não tem necessariamente de ser uniforme, podendo admitir-se que as regiões tenham processos diferenciados de instituição em concreto

Já o Artigo 256º, acima transcrito, impõe que os cidadãos eleitores se tenham exprimido numa consulta direta, de alcance nacional e relativa a cada área regional. Ora, aqui parece residir uma ambiguidade – e ela tem sido bem visível na esfera pública onde este tema se debate. Tratar-se-á, como parece razoável, de garantir que haja duas perguntas no boletim de voto – uma com alcance nacional, outra com incidência regional? Ou que haja necessidade da resposta positiva obter ganho de causa nas duas perguntas em simultâneo?

Imaginemos o seguinte cenário: é proposta uma regionalização assente no mapa das actuais cinco regiões. O resultado da votação nacional seria de 55% a favor; em quatro das cinco regiões havia maioria também ela favorável; mas numa só a reforma era reprovada. Teria isso como consequência que todo o processo seria travado?

Para ser coerente com o respeito simultâneo pela vontade maioritária e pelos direitos das minorias, vejo mal como se pode argumentar que fosse necessário que todas a regiões previstas votassem a favor. Tratar-se-ia de mais do que o voto de uma dupla maioria, como na CRP de 1976 – tratar-se-ia de oferecer o direito de veto a uma minoria.

não se deveria deixar pairar a suspeição de que este processo está armadilhado

Não sou constitucionalista, e não ponho as mãos no fogo pela interpretação que faço das disposições da CRP revista. Admito, no entanto, que não se deveria deixar pairar a suspeição de que este processo está armadilhado. Conviria esclarecer. E se for caso disso, de propor uma revisão cirúrgica que estabeleça sem margem para duvidas que não há direito de veto.

O debate sobre a regionalização do país acompanha o processo democrático desde o seu inicio. Poucos terão sido os temas tão discutidos como este. A divulgação do Relatório da Comissão Independente para a Descentralização, liderada pelo Eng.º João Cravinho, fez uma excelente súmula dos debates e apresentou propostas que foram acolhidas com simpatia por um largo espectro político.

Seria absolutamente lamentável que este processo esbarrasse agora em matérias secundárias, esquecendo que no centro da reforma deveria estar sempre a preocupação de reforçar a voz da cidadania e o controle do poder que em seu nome é exercido.

Ler a primeira parte deste artigo de opinião.

 

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

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