A pandemia parece ter apanhado muitos de surpresa mas, na verdade, mais não fez do que intensificar algumas das dinâmicas sociais do presente: a aceleração do risco e da incerteza; a perceção de que a nossa ação gera consequências não esperadas e que parecem ganhar “vida própria”; a multiplicação de desigualdades em sociedades cada vez mais globalizadas e desregulamentadas; a ascensão de novas formas de autoritarismo e de nacionalismos excludentes (de que o nacionalismo das vacinas é a demonstração mais visível no momento).
Diz-nos o sociólogo americano Randall Collins: se as pessoas são privadas de interações face a face, é provável que estejam mais deprimidas, menos enérgicas, sintam menos solidariedade com outras pessoas, se tornem mais ansiosas, desconfiadas e talvez hostis.
Por outro lado, ampliam-se as gramáticas do ódio, alicerçadas nos algoritmos das redes sociais (que nos dão, qual espelho, apenas aquilo de que gostamos e que já conhecemos), mostrando a urgente necessidade de uma transversal formação digital, que nos habilite a uma cidadania híbrida (misturando o online e o offline) capaz de lidar com a desilusão e a irritação, reaprendendo a comunicar e a aprender com a diferença.
Hoje, mais do que nunca, importa reestabelecer (cumprindo as regras sanitárias) o sentido dos lugares-comuns: essa profusão de encontros, lugares, partidos, sindicatos, associações, movimentos e festas em que se promove uma combinação lúdica de palavras, gestos, mímicas, dramatizações que facilitam a troca, a emoção partilhada e sincronização da presença.
A par da luta, é claro, por bens públicos e universais, que, pela sua escassez, privatização e desigual distribuição, nos revelam as limitações e as injustiças da lógica mercantil. A mesma lógica que nos transformou na espécie mais predadora e destrutiva à face da terra, alterando drasticamente o clima, desflorestando com ganância, arruinando os habitats dos animais selvagens.
Até que…irrompe, de novo, um vírus avassalador, consequência de uma cadeia de ações estúpidas, soberbas e gananciosas.
Se não queremos regressar a mais do mesmo, então devemos focar-nos na invenção de formas de solidariedade (institucional e informal), secando a fonte da extrema-direita, reforçando a reforço da democracia contra a tentação do estado de exceção permanente e a deriva panóptica do capitalismo de vigilância, numa nova relação (não antropocêntrica) com a Natureza.
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