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Presidente da Assembleia da Freguesia de Paranhos
Porto: uma cidade “líquida” com a cultura a afundar? Um alerta!
“Este conceito de liquidez, é-nos trazido por Zigmunt Bauman que na sua obra aborda os relacionamentos entre os seres humanos... Como se esses relacionamentos nos escorressem por entre os dedos".
17 Dez 2021, 17:00

O título deste artigo de opinião poderá encaminhar, quem tiver a paciência de o ler, para o facto desta cidade ser banhada pelo rio e pelo mar. Duplamente abençoada e duplamente atrativa, pois. Mas não!

Em primeiro lugar, este conceito de “liquidez”, é-nos trazido por Zigmunt Bauman (filósofo, sociólogo e pensador de origem polaca, falecido em 2017) que na sua vasta obra aborda sobretudo os relacionamentos entre os seres humanos, os comportamentos sociais, a modernidade e o consumismo – entre outros temas – e a velocidade e inconsistência com que se desfazem e desmaterializam, segundo ele, nas sociedades contemporâneas. Como se esses relacionamentos nos escorressem por entre os dedos…

Surge ligado ao Porto em 2013 pelo então Vereador da Cultura, Paulo Cunha e Silva, que readaptando este conceito à Cultura, pretendia que esta inundasse com facilidade a cidade, sendo difundida de forma rizomática e ligando todas as manifestações e linguagens artísticas alicerçadas no Pensamento e na(s) Perspetiva(s) do Futuro, a serem apresentadas no grande palco da cidade, tal como o entendia o referido Vereador: toda a cidade!

Visão interessante e, de certa forma, disruptiva. Talvez, até, atrativa!

No entanto, esta liquidez cultural que obedecia a um mapa situado na visão muito particular de Paulo Cunha e Silva e que desapareceu com a sua muito prematura morte em 2015, está transformada atualmente – obviamente, na minha opinião – num caminho experimentalista, desagregado da genuinidade, da história e da construção da cidade, bem como até revisionista na sua forma de atuar face a um passado que faz parte daquilo que nós, portuenses, somos.

Já abordei, de certa forma, este tema quando escrevi sobre o atentado cultural ao Museu Romântico! Volto ao tema, porque se começam a levantar dúvidas e em alguns casos serão já certezas, sobre se outros Museus Municipais não serão alvo de novos esventramentos. Falo, por exemplo, da Casa-Museu Guerra Junqueiro, da Casa-Museu Marta Ortigão Sampaio, da Casa-Oficina António Carneiro. Todas elas com belíssimas coleções, percursos expositivos coerentes e, sobretudo, com procura por parte de quem nos visita.

Volto, no entanto, a sublinhar que concordo e que temos, como inevitável, que se questione permanentemente os conceitos, os métodos, as lógicas expositivas, as personagens históricas e a sua importância. Sem dúvida!

Diferente, é destruir, apagar, ignorar.

A liquidez de Paulo Cunha e Silva que procurava levar a Cultura a todos os pontos da cidade num transbordar de manifestações, mas procurando manter à tona as características e marcas tradicionais desta urbe, pode ser transformada num tsunami

Assim, a liquidez de Paulo Cunha e Silva que procurava levar a Cultura a todos os pontos da cidade num transbordar de manifestações, mas procurando manter à tona as características e marcas tradicionais desta urbe, pode ser transformada num tsunami de uma insensível e totalmente desajustada política, que pode afundar a Cultura portuense como se afunda uma desabitada vila em função do “progresso” trazido por uma barragem. O “desabitar” é o primeiro e mais importante passo para o esquecimento e para a irrelevância…

Não quero aqui discutir se o caminho pensado e concretizado no pouco tempo que teve enquanto Vereador, era o correto ou não. Mas se o que foi feito no Museu Romântico for barbaramente replicado noutros Museus Municipais, uma parte da nossa Cultura ficará submersa num charco de banalidades incompreensíveis, que o mainstream pseudointelectual tentará vender à cidade como um “mar de contemporaneidade e modernismo”!

Fica o alerta! Estaremos atentos.

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