summary_large_image
Comissão Nacional de Eleições - CNE
Voto electrónico não presencial: panaceia para a abstenção?
"A taxa de abstenção nas eleições autárquicas de 2021 foi de 46,35%. Esta foi a segunda taxa de abstenção mais alta desde as primeiras eleições autárquicas em 1976."
11 Out 2021, 00:00

A taxa de abstenção nas eleições autárquicas de 2021 foi de 46,35%. Esta foi a segunda taxa de abstenção mais alta desde as primeiras eleições autárquicas em 1976. Só nas eleições de 2013 é que se atingiu uma percentagem ainda mais elevada, chegando aos 47,4%. E em cada acto eleitoral em que a abstenção sai vencedora, há sempre alguém que avança como pretenso remédio para a cura da abstenção, a introdução do voto electrónico não presencial via internet (i-voting).

A admissão do voto electrónico não presencial suscita questões complexas do âmbito técnico, mas também jurídico. Importa compreender os riscos, avaliá-los e mitigá-los. E os riscos são grandes ao nível da segurança da informação, da sua fiabilidade, confiabilidade, fiscalização e auditoria dos resultados e das operações eleitorais. Um comprometimento da cibersegurança pode colocar em causa a universalidade, a pessoalidade e o carácter secreto do voto enquanto princípios gerais do nosso Direito Constitucional.

Apenas a votação presencial assegura, em absoluto, que o voto é pessoal e livre, já que nenhuma garantia é oferecida contra a possibilidade de o eleitor ser coagido ou influenciado quando exerce o voto.

O passado recente revela ataques bem-sucedidos a processos eleitorais pelo Mundo inteiro, bem como a factores intrínsecos ao processo eleitoral, tais como os níveis de tensão social, os níveis de tensão entre candidaturas concorrentes, ou até índices de confiança pública nas autoridades e no processo eleitoral. É nesta eventual quebra de confiança pública que reside o maior problema com a introdução do voto electrónico não presencial via internet (i-voting). Com efeito, segundo o Relatório da Democracia do Variety of Democracies (V-Dem Institut, Universidade de Gotemburgo, 2019) Portugal apresenta uma elevada segurança, bem como uma elevada credibilidade e fidedignidade, assente numa fiscalização plural que torna o sistema português um dos mais fiáveis do Mundo. E esta fiabilidade não se pode perder.

Apenas a votação presencial assegura, em absoluto, que o voto é pessoal e livre, já que nenhuma garantia é oferecida contra a possibilidade de o eleitor ser coagido ou influenciado quando exerce o voto. Na votação presencial, há a garantia absoluta de que quando o eleitor entra na cabine de voto para exercer o seu direito de voto, o faz de forma livre. Pode até ter sido coagido lá fora ou em casa, mas quando vota, fá-lo de forma livre e há 70 000 membros de mesa pelo País fora a atestar essa liberdade.

De entre os países onde o sistema de votação remota foi introduzido destaca-se a Estónia como caso de sucesso. Ora, na Estónia, década e meia após a sua introdução, o voto electrónico não presencial demonstra um ínfimo contributo do ponto de vista do aumento da participação eleitoral estónia, na ordem dos 4%, sublinhando-se que o País apresenta taxas de abstenção muito superiores às portuguesas. Mais, a adesão ao voto remoto encontra-se na faixa etária 40/50, ou seja, não se acabou com a abstenção jovem, porque os jovens teimam em não votar. Quem utiliza o voto remoto é quem já votava presencialmente, e que apenas mudou a forma de votar.
E percebe-se: quem tem intenção de votar, vota sempre, seja qual o modo de votação.

O acto eleitoral é também um acto social, principalmente para os mais jovens, cujo significado da “primeira vez” pede uma presença física

O acto eleitoral é um acto nobre, que se deve revestir da solenidade mínima, merecendo que não seja levado a cabo com o eleitor sentado no sofá no intervalo da bola. E o acto eleitoral é também um acto social, principalmente para os mais jovens, cujo significado da “primeira vez” pede uma presença física – ninguém quer um primeiro beijo electrónico, ninguém quer uma primeira relação electrónica, ninguém quer que a sua primeira cerveja seja electrónica, e também ninguém quer que o seu primeiro voto seja electrónico.

Não se pode rejeitar em absoluto o modelo de voto electrónico não presencial como forma de votação futura, porém, deve ser sempre encarado como “mais um” modelo de votação, e não como “o” modelo de votação, porque não é remédio universal para a abstenção.

 

O autor escreve ao abrigo do antigo acordo ortográfico.

  Comentários
Mais Opinião