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Consultor de Comunicação
A Ucrânia mesmo aqui ao lado
O que se passa entre a Rússia e a Ucrânia é muito mais do que um conflito entre dois Estados que fazem fronteira. É algo que vai muito para além do que se passa naquela região.
11 Fev 2022, 09:00

Para entendermos o que ocorre entre Kiev e Moscovo temos de recuar na História e perceber que os irmãos eslavos têm muito mais divergências que os afastam do que interesses que os juntam.

Já não falo do “erro” de Kruschev em dar a Crimeia, até então uma república autónoma dentro da Rússia, à Ucrânia nos tempos da URSS. Eu sei que na altura era tudo o mesmo e que seria indiferente à luz dos princípios então vigentes. Os resultados do retorno da terra tártara à mãe russa em 2014, após um referendo sobre a reunificação com a Rússia, considerado ilegal pela ONU, fizeram naturalmente mossa (e alimentaram as sementes do sentimento nacionalista ucraniano), mas os problemas já lá estavam. Aliás, sempre estiveram, desde que a Ucrânia era dividida entre Polacos e Russos. Ou entre os Impérios Austríaco e o Império Russo.

Já não falo do “erro” de Kruschev em dar a Crimeia, até então uma república autónoma dentro da Rússia, à Ucrânia nos tempos da URSS

Foi por isso, sem grande surpresa que, na II Guerra Mundial, ao cruzarem a fronteira na Ucrânia, as tropas alemãs foram saudadas como libertadoras e como aquelas que iriam finalmente dar corpo ao independentismo ucraniano. Uma liberdade que durou pouco, que serviu para os ucranianos perceberem que os algozes apenas tinham mudado de nacionalidade e que os escravos continuavam os mesmos. Estaline, quando recuperou o controlo da então República Socialista Soviética da Ucrânia fez questão de lembrar os ucranianos que não se perdoavam dissidências ou arrojos de liberdade.

Os “insolentes ucranianos” que desafiaram esse jugo, pagaram o preço com a fome, o frio e a morte. Embora em menor escala, os ucranianos voltam a sentir no seu território o que tinha acontecido já entre 1932 e 1932 quando Estaline levou milhões de ucranianos à morte (Holodomor) através da fome e do roubo de alimentos para pagar a industrialização acelerada da URSS e o cumprimento de irrealistas planos quinquenais.

O fim da URSS não trouxe às suas ex-repúblicas o sonho dos amanhãs que cantam, agora sob a forma de independência formal face a Moscovo. Essa independência, diga-se, existe e existiu no papel, mas a Rússia sempre fez questão de mostrar que continua a querer ter uma voz ativa sobre os destinos das ex-repúblicas Soviéticas e não deixa também sair estes Estados da sua esfera de influência.

O problema chama-se: NATO

O problema chama-se, se assim o quisermos definir como tal, NATO. Desde 1997, a Aliança Atlântica tem expandido os seus limites no “quintal russo”: Estónia, Letónia e Lituânia foram os primeiros a correr para os braços da NATO (os Estados Bálticos têm bem presentes a anexação forçada após 1945), a que se seguiram a Polónia (também me parece óbvio o porquê), a República Checa, a Eslováquia, a Hungria, a Roménia, a Eslovénia, a Croácia, o Montenegro e a Albânia. E, mais recentemente, a Macedónia do Norte e a Bulgária. Quem se der ao trabalho de ir pintando no mapa estas “conquistas” da Aliança Atlântica percebe a lógica russa de oposição ao namoro com a NATO por parte da Ucrânia: a entrada na Europa dá-se pela Bielorrússia (um Estado “fantoche” de Moscovo) e pela Ucrânia que, apesar das diferenças, os russos sempre viram como os seus irmãos eslavos.

Desde 1997, a Aliança Atlântica tem expandido os seus limites no “quintal russo”

Claro que também temos de considerar o problema do complexo imperial de Putin, que deseja restaurar a esfera de influência da Rússia aos tempos áureos da Guerra Fria e a capacidade de influência territorial de Moscovo aos tempos dos Czares, e temos aqui o caldo perfeito para o que estamos a viver.

O problema é, como sabemos, que 2022 não é 1950 e muito menos 1890. E se a NATO continua a galgar terreno por entre as esferas de influência de Moscovo é porque esta ainda não conseguiu perceber que os tempos do Império já lá vão. E Putin continua sem entender que a Rússia deve ser respeitada na cena internacional, sem ter necessidade de impor a sua voz ou levar a que os Estados mais pequenos e fronteiriços caiam na tentação do canto de sereia da única organização que se manteve útil e atual após o fim da Guerra Fria.

A propósito, a União Europeia já disse alguma coisa de jeito sobre isto?

 

Nota: Atualizado em 14.02.2022

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