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Presidente da Assembleia da Freguesia de Paranhos
Um ecossistema chamado autocarro!
Os tempos mudam! Em tudo. Mudaram também no ecossistema chamado "transporte público”, os transportes urbanos das cidades. O Porto não fugiu à regra…
13 Dez 2021, 09:00

Lembro-me de que, há aproximadamente 30 anos, quando se entrava num autocarro dos Serviços de Transporte Coletivos do Porto – STCP – (por exemplo o velho 78 que terminava no Castelo do Queijo e aí iniciava nova viagem), havia no ar como que um zumbido, de tom ora grave ora agudo, de várias conversas misturadas banco a banco.

Sim. Eram conversas, a maior parte no limite do sussurro ou pouco mais (…), claro que também havia um, ou uma, personagem que já fazia stand-up comedy sem o saber e que se destacava não só pela piada, mais ou menos acutilante, mas também pelo ridículo e pelo brejeiro “à-vontadinha… isto vai-se mantendo…!” Mas, gostando-se ou não, as pessoas conversavam e algumas até liam.

Já não há senhores de chapéu a ler o jornal no autocarro

Ainda havia no Porto sedes de Bancos, de grandes Empresas, de Jornais e o transporte público era exatamente isso: público. Transportava, talvez, a última geração de profissionais liberais, comerciantes, funcionários públicos, médicos, profissionais da restauração, entre muitos outros, que tinham na Baixa do Porto os seus locais de trabalho. E assim, da Foz a Ramalde, de Paranhos e de Campanhã, Aldoar e Bonfim, confluíam milhares de pessoas para o centro da cidade, num tempo em que não havia redes sociais virtuais.

Atualmente, quase só se destacam os tais “cromos” da sociedade que acrescentaram ao stand-up a inestimável partilha da intimidade através do telemóvel e com o típico sotaque tripeiro: “Toue…sinhe…boue… nom.…um arrozinho talbez… já mudástes as fraldas ó menino??? Ai sinhe? Hã…! E o Quinhe? já salebantou??? Prontus, atão fica bem, more!!!” E podia ficar aqui o dia todo a replicar estas “cunbersas”… Já não se ouvem os zumbidos de diálogo(s).

Sente-se, vê-se, um silêncio alienado de seres humanos com os olhos colados aos “androids” como se o nascer do sol dependesse do botão” on” de cada aparelho

Sente-se, vê-se, um silêncio alienado de seres humanos com os olhos colados aos “androids” como se o nascer do sol dependesse do botão” on” de cada aparelho. Inclusivamente, está a desaparecer aquela (aqui sim…) piada instantânea, aquele piropo (cuidado com a nova polícia de costumes…) elegante e autêntico ou aquela crítica mordaz, tão atual e inteligente, quanto popular e corajosa que os portuenses geneticamente transportavam.

Era assim um Porto maís típico, mais autêntico. Não necessariamente melhor, mas seguramente mais diferenciado e mais genuíno. Nas palavras de Zygmunt Bauman há, atualmente, uma mixofobia social que se acentua e comprova por esta tal alienação e rejeição do relacionamento entre as pessoas. Seja ele de circunstância ou rotineiro. Não há bons dias, nem boas tardes, tão pouco obrigado ou desculpe. Há comportamentos de “manada”.

Um pouco à imagem do que disse o Papa Francisco há poucos dias: as pessoas estão nas redes sociais, mas não são sociáveis!

E não se atribua este distanciamento, talvez até, esta irrelevância com que nos tratamos mutuamente, à pandemia. Este comportamento já era visível. Um pouco à imagem do que disse o Papa Francisco há poucos dias: as pessoas estão nas redes sociais, mas não são sociáveis!

Poucas ou quase nenhumas pessoas trazem consigo um livro. Também já não há senhores de chapéu a ler o jornal no autocarro. Há silêncios, apesar do ruído dos que não têm respeito pela tranquilidade alheia. Há distâncias, há o ignorar o “outro”. Há, sobretudo, o “ignorar-se” a si próprio.

Rir já não é o melhor remédio. O melhor seria, especialmente, ler e ser autêntico. Vou ser mais realista: o melhor seria mesmo ler! Um livro. Sem scroll…

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