VOTO DIGITAL SERÁ "UMA INEVITABILIDADE", MAS AINDA NÃO HÁ 100% DE SEGURANÇA
O dilema arrasta-se por mais de duas décadas, mas de acordo com o especialista ouvido pelo EuroRegião, “a tecnologia ainda não permite garantir totalmente que não existam riscos”.
Beatriz Abreu Ferreira / Manuel Ribeiro
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28 de Janeiro 2022, 19:04
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Miguel Albuquerque, presidente do Governo Regional da Madeira, afirmou na semana passada ser favorável à alteração da lei eleitoral, de modo a poder implementar-se o voto digital. Segundo o governante, esta seria uma maneira de evitar os constrangimentos provocados pela pandemia de COVID-19, e de atrair o eleitorado jovem às eleições.

As declarações do responsável madeirense foram feitas na sequência da decisão da Comissão Nacional de Eleições (CNE) de autorizar os cidadãos em isolamento a irem votar presencialmente nas próximas eleições, dia 30 de janeiro, e reintroduziram o debate em torno da adoção deste método de contabilização de votos.

O voto digital já é utilizado em vários países do mundo, como a Austrália, o Canadá, o Brasil, o México, a Nova Zelândia, mas, em Portugal o dilema arrasta-se há mais de duas décadas.

A primeira experiência nacional com o voto eletrónico foi em 1997, em várias mesas de voto em São Sebastião da Pedreira (Lisboa), onde se votou através de uma máquina. O teste foi depois repetido, em 2001, desta vez nas freguesias de Campelo (Baião) e Sobral de Monte Agraço e, novamente em 2004, nas eleições para o Parlamento Europeu, em que o leque de freguesias a testar o voto digital continuou a aumentar: Mirandela (Mirandela); Paranhos (Porto); Mangualde (Viseu); São Bernardo (Aveiro); Sé (Portalegre); Belém (Lisboa); São Sebastião (Setúbal); Salvador (Beja) e Salir (Loulé).

Um ano mais tarde, experimentou-se o voto eletrónico e não presencial, algo que não se viria a repetir e, o último teste-piloto foi nas legislativas de 2019 e custou ao Estado quase 1,5 milhões de euros.

A comodidade e eficiência

Segundo a CNE, a “implementação de soluções de voto eletrónico visa, sobretudo, conferir maior celeridade às operações de votação e apuramento, melhorar toda a gestão do próprio processo com vista a atingir ganhos de eficiência e, ao mesmo tempo, manter ou aumentar as garantias de segurança e credibilidade de todo o processo”, ou seja, votar seria mais rápido, assim como a contagem final dos votos.

Além disso, o voto digital permitiria “contribuir para que o cidadão eleitor exerça o seu direito de sufrágio de modo mais eficaz e cómodo, procurando, assim, combater algumas causas do abstencionismo que, no caso português, se têm vindo a evidenciar em alguns atos eleitorais,” considera a entidade reguladora dos sufrágios nacionais.

Outra das vantagens deste método seria conferir mais autonomia aos eleitores invisuais que, “com a implementação desta solução, passariam a votar por si e não, como fazem atualmente, acompanhados por outro eleitor”, acrescentam.

Ameaças de segurança

Para Arnaldo Costeira, Diretor-geral de Comunicação e Relações Externas do Instituto Superior de Educação e Ciências (ISEC) de Lisboa e especialista em Comunicação Política, a transição para o voto digital será “uma inevitabilidade,” mas, neste momento, “a tecnologia ainda não permite garantir totalmente que não existam risco de segurança, quer na contagem, quer na contabilização dos votos”.

“Ainda não existam sistemas que garantam 100% de segurança. Ainda não está garantida a segurança do tratamento do dado, a privacidade do próprio eleitor e a sua própria identificação”, trata-se de uma questão complexa, uma vez que “têm de haver sistemas de dupla validação dentro do sistema de voto eletrónico, que garantam que aquele voto vai contar e exatamente como foi ali escrito,” explica.

Apesar disso, “nos testes que têm sido feitos, têm sido utilizados sistemas de voto eletrónico em secção de voto. Aí estamos a aferir se o modelo de voto e de contagem funciona, porém, depois ainda temos estas questões de segurança,” continua Arnaldo Costeira.

Além dos problemas de segurança, a perceção dos eleitores também é determinante. Votar digitalmente traduz-se em “circunstâncias ainda muito pouco claras, que trazem muita insegurança para quem não domina a parte técnica, e que fazem com que muito provavelmente ainda tenhamos que ter um sistema misto como uma tentativa de nos adaptarmos a uma realidade digital,” considera.

“Se calhar se usássemos um duplo sistema nas próximas eleições, e durante algum tempo, até ganharmos maturidade e percebermos que as contagens nos sistemas são iguais, talvez esse fosse o melhor caminho. Já devíamos ter começado a fazer experiências de maior espectro,” sugere.

Quanto aos exemplos no estrangeiro, Arnaldo Costeira confessa que “talvez os outros países tenham arriscado mais”, justificando esse comportamento com o facto de serem “democracias mais maduras”. No entanto, “talvez também as forças políticas ainda não queiram dar esse passo porque as movimentações eleitorais poderão tornar-se imprevisíveis,” admite.

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