Quem chega à praia selvagem Ribeiro do Cavalo está longe de imaginar que ali ao lado funcionou durante anos “um aterro ilegal”. O aterro do Zambujal, localizado numa antiga pedreira, foi explorado pela empresa Greenall Life, Lda. entre 2012 e 2019, altura em que perderam a licença de funcionamento, na sequência de um incêndio.
O encerramento foi uma vitória dos habitantes da zona depois de várias denúncias, petições e manifestações. Mas o pesadelo ainda não acabou. Alegadamente, os materiais continuam depositados no local e em decomposição. Segundo João Albuquerque, “já está tudo a cerca de 60 metros de profundidade, mas a reação é de tal maneira que faz rachas no chão. Sai uma substância, tipo óleo e faz um fumo que tem um cheiro que faz lembrar acetona. Aquilo é mesmo meio tóxico, há pessoas que dizem que se sentem tontas. Uma vez até pensámos que estivéssemos todos com Covid porque ficámos sem paladar e cheiro, durante uns dias, depois de lá termos estado”, explica o sesimbrense em entrevista ao EuroRegião.
Os populares contam que no aterro, que tinha apenas licença para o depósito de materiais inertes (algo que uma inspeção da IGAMOT confirmou, em 2017: que não estava a ser cumprido). Foi depositado todo o tipo de lixo: “desperdícios não ferrosos, metais pesados e até resíduos da siderurgia nacional”, descreve João Albuquerque. “Também sabemos que durante vários meses houve depósitos feitos durante a noite com camiões cisterna que, à partida, transportam líquidos. Algo que também não se esperava num aterro que não tem qualquer tipo de impermeabilização para os solos”, denúncia o morador.
Apesar da licença ter sido revogada em 2019, durante cerca de um ano e meio continuou a existir atividade no aterro e, uma das vezes, foram até apanhados em flagrante pela GNR, garante a população. “Em 2019, o aterro tinha os resíduos perigosos à vista e durante mais de meio ano foi enterrado com areias, esse é um dos crimes comprovados. Agora, os químicos subterrados estão a reagir entre eles, e nos dias de mais humidade até sai fumo do chão provocado pelas reações químicas. Qualquer material orgânico enterrado, fermenta, e cria gases, por isso é que era suposto irem para ali apenas inertes”, continua Albuquerque.
Até ao momento, não se sabe ao certo que materiais estão a decompor-se nos solos do aterro do Zambujal, nem os possíveis efeitos para a saúde pública, mas, a Procuradora Geral Adjunta do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Setúbal autorizou a Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT) a recolher amostras dos gases emitidos, dos resíduos depositados, dos solos e das águas. O Ministério do Ambiente também encomendou um estudo de remoção dos despojos no valor de 100 mil euros.
Enquanto isso, milhares de pessoas continuam a sentir os efeitos do aterro, diariamente, e até a popular praia, promovida pelo turismo local, pode representar um perigo para a saúde pública. “O aterro está na linha do Ribeiro do Cavalo, por isso, as águas que ali circulam subterrâneas desaguam na praia que, não sendo vigiada, não tem quaisquer análises à água”, alerta o habitante de Sesimbra.
“Há casas a 25 metros do aterro, e num raio de 5 quilómetros há mais de 5 mil habitantes, e o cheiro chega até lá. Eu moro do outro lado de Sesimbra e, por vezes, sinto aqui o cheiro. Agora alguma das análises há de apurar alguma coisa. Se perceberem que não há perigo para a saúde pública, as pessoas ficam só com o desconforto, mas hoje ainda há essa dúvida”, termina.