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Comandante da TAP na reforma
Será o piloto de aviões uma espécie em vias de extinção?
A Cathay Pacific e a Airbus têm já em curso um programa que visa manter apenas um piloto no cockpit durante as viagens de longo curso.
02 Nov 2021, 09:00

Há umas décadas atrás a questão não se colocava. Seria impensável. Só por absurdo se admitiria tal hipótese. Acontece que, entretanto, a tecnologia avançou a passos mais largos do que se poderia imaginar e o mundo ficou diferente. Muito diferente. Os computadores vieram para ficar e a mensagem que traziam não podia ser mais clara: somos iguais ou melhores que os humanos e podemos substitui-los com vantagem em muitas funções. Até mesmo nos aviões? Até mesmo nos aviões.

No início da aviação comercial, tal como a conhecemos hoje, havia pelo menos cinco homens no cockpit

Vejamos, então, em que ponto nos encontramos. No início da aviação comercial, tal como a conhecemos hoje, havia pelo menos cinco homens no cockpit – as senhoras que me perdoem mas no início, salvo raríssimas excepções, só havia homens aos comandos dos aviões.

E o que faziam os cinco? Dois eram pilotos, um era navegador, mais um radiotelegrafista e um mecânico. O primeiro a cair foi o radiotelegrafista. O aperfeiçoamento das comunicações por voz de média e longa distância tornou desnecessária a chave de Morse e outros artefactos ainda em voga na década de 60. Ponto final; sempre era menos um salário.

Depois caiu o navegador. As plataformas de inércia, sistemas de navegação autónomos e de grande rigor para a época, acabaram com o sextante e orientação pelos astros, actividade muito complexa e não isenta de erros. Estávamos na década de 70.

Inevitavelmente, seguiu-se o mecânico, entretanto transformado em Operador de Sistemas. Já não era tanto a chave de parafusos que trazia no bolso: geria os vários sistemas do avião e ajudava os pilotos fazendo alguns cálculos e lendo os diversos check lists. Era muito útil, especialmente nos voos de longo curso, só que entretanto apareceram computadores capazes de desempenhar as mesmas tarefas com mais rigor e menos custos e a função extinguiu-se. A economia, sempre a economia.

a tal “indústria” quer mesmo acabar com os pilotos

Faltam os pilotos. Aqui era difícil mexer devido ao impacto que uma mudança radical pudesse ter junto dos viajantes, mas a indústria (fabricantes e companhias de aviação) tinha alguns argumentos na manga: os pilotos custam caro e por vezes cometem erros catastróficos. No passado, muitos acidentes ocorreram devido a erro humano e embora nem sempre a culpa fosse dos pilotos (mecânicos, controladores, despachantes, etc, também contribuíram) a verdade é que eram eles o foco das atenções quando se investigava um acidente. Nesse aspecto nada mudou: continuam a ser os principais suspeitos, que esta coisa de ser humano tem muito que se lhe diga.

Tudo isto para dizer que a tal “indústria” quer mesmo acabar com os pilotos. O principal argumento é a segurança (“a máquina não erra, o humano sim”) muito embora todos saibamos que o que está por trás disto tudo é a economia. É preciso poupar para tornar as viagens ainda mais baratas e aumentar os lucros. Parece um paradoxo mas tendo isso em conta o piloto tornou-se num “luxo” que já não faz sentido.

Os primeiros passos começaram a ser dados. A Cathay Pacific e a Airbus têm já em curso um programa que visa manter apenas um piloto no cockpit durante as viagens de longo curso. Ou seja, enquanto um está de serviço o outro descansa e assim vão alternando. Apenas estão juntos nas fases de descolagem e aterragem. Isso permitirá reduzir o número de pilotos necessários para esse tipo de viagens. Em vez dos três ou quatro da actualidade bastam dois para fazer o mesmo serviço.

O passo seguinte será haver apenas um piloto no avião em todas as circunstâncias. O “backup” para casos de emergência será efectuado por um piloto no solo que sentado numa espécie de playstation poderá assumir o controle sem dificuldade de maior. Se pensarmos que os “drones” que actuam no Afeganistão e outros lugares pouco recomendáveis são controlados a partir dos Estados Unidos ficamos sem grandes dúvidas quanto à tecnologia disponível.

Finalmente teremos o avião sem piloto. Tudo automático com Inteligência Artificial aos comandos. E você, caro leitor, voaria neste avião? Eu não, obrigado.

O autor escreve segundo o antigo acordo ortográfico.

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