AÇORES APRESENTAM PROGRAMA PIONEIRO PARA A SAÚDE MENTAL
O responsável pela nova estratégia, ouvido pelo EuroRegião, garante que é “um programa geral de saúde e não exclusivamente de saúde mental”, para poder “apresentar soluções”.
Beatriz Abreu Ferreira / Manuel Ribeiro
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14 de Fevereiro 2022, 18:52
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Segundo o Governo Regional, o novo Programa para a Saúde Mental dos Açores é pioneiro – trata-se do “segundo programa do género em Portugal e o primeiro nas regiões autónomas”, afirmam em comunicado. Entre as medidas em destaque, está a criação de camas para doentes psiquiátricos em todas as ilhas, a atribuição de material de videoconferência para consultaria psiquiátrica à distância, e até uma nova abordagem preventiva nas escolas.

Entre as medidas em destaque, está a criação de camas para doentes psiquiátricos em todas as ilhas, a atribuição de material de videoconferência para consultaria psiquiátrica à distância, e até uma nova abordagem preventiva nas escolas.

Em entrevista ao EuroRegião, Henrique Prata Ribeiro, médico psiquiatra no Hospital Beatriz Ângelo e coordenador da Estrutura para a Saúde Mental da Região Autónoma dos Açores, entidade responsável pela elaboração do documento, explica que vê o programa “não como um programa de saúde mental, mas como um programa de saúde focado na vertente psicológica”.

“O objetivo do programa é ser construtivo, e ser um programa geral de saúde e não exclusivamente de saúde mental. [o Programa Regional para a Saúde Mental] tem como objetivo principal fortalecer o serviço público nos Açores, através da congregação de todas as forças possíveis, numa associação entre o serviço público, o privado e o social, dentro das articulações que forem possíveis, mas sempre com a intenção de tornar mais forte o serviço público que é prestado às pessoas,” esclarece.

Apesar das críticas da deputada socialista Ana Luís, que acusou os autores do programa de um “desconhecimento grosseiro da atividade desenvolvida ao longo dos últimos anos pelo serviço de Psiquiatria”, devido à proposta de acompanhamento de doentes por videoconferência, que segundo a mesma já acontece desde 2019, e da criação de um serviço de electroconvulsivoterapia, Henrique Prata Ribeiro garante que “o programa não está a elencar falhas, está a apresentar soluções”.

“O objetivo do programa é ser construtivo, e ser um programa geral de saúde e não exclusivamente de saúde mental”.

“O programa, quando faz inclui essa estratégia [de recurso a videoconferências], é óbvio que já se sabe que essas vídeo-consultas já acontecem, aquilo que não acontece e se pretende fazer é que elas estejam integradas numa estrutura que permita, por exemplo, o contacto com pedopsiquiatria de uma forma mais direta. Contacto, por exemplo, com o Hospital Dona Estefânia, que já está a ser tratado e que esperamos que seja celebrado em breve. Mas essa vertente de vídeo-consultas não existe. Há coisas que já existem, por exemplo, o Hospital da Horta já tem algumas camas que tendencialmente são cedidas à área da psiquiatria, mas aquilo que o programa pretende é que essas camas fiquem oficialmente, protocolarmente, cedidas para doentes da psiquiatria, porque nem sempre essas camas estão disponíveis quando são necessárias,” argumenta.

Quanto à criação de um serviço de electroconvulsivoterapia, em São Miguel ou na Ilha Terceira, o coordenador da Estrutura para a Saúde Mental considera que “não há qualquer dúvida de que “será mesmo necessário”, uma vez que o Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa, para onde eram encaminhados os doentes do Hospital da Horta, “perdeu talvez metade da sua capacidade de resposta, e está a fazer a electroconvulsivoterapia muitos menos dias do que fazia antigamente e, portanto, já nem a Lisboa consegue dar uma resposta satisfatória, quanto mais a outras regiões”.

De acordo com o psiquiatra, a principal dificuldade continua a ser a fixação de profissionais. “O rácio de psiquiatras nos Açores é de 5,1 para 100 mil habitantes, quando já há anos no continente é de 13 para 100 mil e na OCDE é de 17 por 100 mil”, destacou na apresentação da estratégia regional e acrescentou ao EuroRegião que “internacionalmente, fala-se num número mínimo, para um país desenvolvido, de 10 psiquiatras por cada 100 mil habitantes”.

Apesar de considerar “necessário contratar mais”, a abertura de um concurso para a contratação de 3 psiquiatras e 20 psicólogos “é um começo e permitirá começar a delinear novas estratégias nos serviços”, defende.

“O rácio de psiquiatras nos Açores é de 5,1 para 100 mil habitantes, quando já há anos no continente é de 13 para 100 mil e na OCDE é de 17 por 100 mil”

Ainda assim, Henrique Prata Ribeiro quer apostar na capacitação de profissionais de medicina geral. “A capacitação funciona através de cursos, neste momento estamos a estruturar quatro cursos para formação em psiquiatria e pedopsiquiatria, um de cada em São Miguel e um de cada na Ilha Terceira”, e também de “consultoria, por videoconferência, ou seja, de gestão de casos clínicos e através de vídeo-consultas”, explica.

Através do método de consultoria por videoconferência, um psiquiatra, que pode estar num hospital em Lisboa, auxilia o médico de medicina geral, que está na presença do paciente, e que “acaba por aprender a como intervir em situações semelhantes”. “O que acaba por acontecer, como noutras áreas da medicina, que é baseada em ciência e acaba por ser uma aprendizagem sistemática, ao fim de trabalhar com vários casos que sejam similares, os médicos de família ganharão capacitação para tratar casos que se assemelhem a esses”, acredita Henrique Prata Ribeiro.

O documento apresenta ainda uma nova estratégia de prevenção nas escolas, através da nomeação de um técnico de referência, que ficará responsável pela sinalização de casos de risco. “Nos Açores já existem equipas alocadas à área da saúde escolar, o que é uma grande vantagem. O primeiro passo será selecionar um técnico de referência que fique responsável pela sinalização, e sensibilização de outros elementos da escola, de crianças em risco. Obviamente, não se pretende que estes técnicos realizem diagnósticos, mas ficam capazes de sinalizar, com base em sintomas ou sinais que observem. É um sistema preventivo recomendado a nível europeu e em funcionamento em alguns países,” garante.

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