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Presidente da CCDR - Norte
O último apaga a luz?
Assisti há dias, com estupefação e incredulidade, a um programa da televisão pública - RTP3 - em que um painel de ilustres convidados perora a respeito da “descentralização” e "regionalização".
20 Jun 2022, 11:30

Assisti há dias, com estupefação e incredulidade, a um programa da televisão pública – “O último apaga a luz”, da RTP3 – em que um painel de ilustres convidados perora a respeito da “descentralização” e “regionalização”. Impressionaram-me (e preocuparam-me) duas coisas: o profundo desconhecimento de causa em pessoas respeitadas e a ligeireza leviana a que esse desconhecimento conduziu na análise de assuntos importantes.

São baralhados, sem aparente peso na consciência, números e realidades, e articulam-se lugares-comuns sem fundamento

Em poucos minutos, testemunha-se um pouco de tudo. São baralhados, sem aparente peso na consciência, números e realidades, e articulam-se lugares-comuns sem fundamento. Da Alemanha, dada como exemplo, pouco ou nada se sabe a respeito da sua organização política e administrativa, bem como da dimensão dos estados, regiões e associações territoriais desta federação; da Bélgica, sobra a ideia de um país ingovernável e não regionalizado; e da democracia suíça não se conhece muito além de vagas generalidades sobre “montanhas”, resquício porventura do imaginário de Heidi. Mencionando-se estes casos (com modelos maduros de regionalização!), salta a frase de que há “países que funcionam muito bem, e muito melhor que Portugal, sem regionalização nenhuma”…

Em matéria de conceitos, a coisa não melhorou. A desconcentração é confundida com a descentralização, e esta é tida como uma medida que “duplica a burocracia estatal e o orçamento do Estado”, em vez de os racionalizar e distribuir. Espantei-me mais quando ouvi que a descentralização aumenta “as hipóteses de corrupção” (branqueando toda a mácula moral produzida na capital…) e que os autarcas (das “camarazinhas do Norte”) querem, no fim de contas, “o dinheiro do Estado central”. (Ouvi bem: “o dinheiro do Estado central”.)

Espantei-me mais quando ouvi que a descentralização aumenta “as hipóteses de corrupção” (branqueando toda a mácula moral produzida na capital…) e que os autarcas (das “camarazinhas do Norte”) querem, no fim de contas, “o dinheiro do Estado central”. (Ouvi bem: “o dinheiro do Estado central”.)

Tivessem sido lidos, mesmo na diagonal, alguns relatórios da OCDE e teríamos sido poupados a tamanhos equívocos. Neles, ficamos a saber, por exemplo, que há países mais “pequenos” regionalizados e que o nosso atraso estrutural é associado a uma excessiva centralização das políticas e da despesa públicas.

Este espetáculo foi mais uma evidência daquilo a que um centralismo decadente e arrogante se pode permitir. Fica claro que precisamos, com urgência, de um debate qualificado e um esclarecimento público limpo de equívocos e preconceitos.

Fica claro que precisamos, com urgência, de um debate qualificado e um esclarecimento público limpo de equívocos e preconceitos

Essa é uma responsabilidade de todos: dirigentes públicos, universidades e média. Na sua visão ponderada e pragmática, foi isso que os autarcas do Norte propuseram recentemente…

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