ONDA DE VIOLÊNCIA MARCA CAMPANHA ELEITORAL DO EQUADOR
Candidatos políticos foram assassinados na véspera das eleições antecipadas
Redação EuroRegião com LUSA
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20 de Agosto 2023, 09:42
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Uma vaga de assassínios de candidatos políticos marcou a campanha das últimas semanas para as eleições gerais no Equador, o que observadores do país latino-americano temem poder degenerar numa imposição de interesses externos, incluindo criminosos, e regressão dos direitos humanos.

Cristiano Pinheiro de Paula, investigador do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, afirmou à Lusa que o Equador, na véspera das eleições antecipadas marcadas para o próximo domingo, “mergulha no caos, atingido por uma espantosa onda de violência política, contabilizando, num período de apenas cinco dias, dois assassínios de importantes dirigentes políticos”.

“A onda brutal de criminalidade que acomete o Equador tem inegáveis ligações com o narcotráfico transnacional, mas não será a única causa e talvez nem sequer a razão mais importante da vaga de crimes que aterroriza o país”, avaliou o investigador.

O atentado contra o candidato presidencial Fernando Villavicencio (partido Construir) ocorreu numa ação de campanha a 09 de agosto, numa zona central e movimentada de Quito. O Presidente equatoriano, Guillermo Lasso, decretou estado de emergência, mas garantiu que as eleições antecipadas de domingo se realizariam.

Na segunda-feira, Pedro Briones, membro do movimento Revolução Cidadã e um dos líderes do partido na província de Esmeraldas, foi assassinado no noroeste do Equador.

De acordo com Pinheiro de Paula, os dois líderes mortos eram de campos políticos ideologicamente opostos: Briones vinha de uma esquerda moderada e Villavicencio era representante de um movimento de centro-direita.

Em julho, Rider Sánchez, um candidato a deputado federal pela aliança Atuemos, também foi morto em Quininde, na província de Esmeraldas; em fevereiro, quando os equatorianos elegeram governantes regionais, entre os quais autarcas, foram registados 15 ataques contra candidatos e dois homicídios.

Nesta semana, a Amnistia Internacional (AI) apelou ao Governo equatoriano para que salvaguarde os direitos humanos no país, após o assassínio de Villavicencio e a imposição do estado de emergência.

A diretora da AI para as Américas, Erika Guevara Rosas, afirmou que a organização não-governamental (ONG) está “extremamente preocupada com a atual situação de violência no Equador, que enfrenta um forte aumento na sua taxa de homicídios, bem como uma série de assassínios de candidatos a cargos públicos nas últimas semanas”.

Nas eleições antecipadas de domingo serão escolhidos o Presidente do país (que irá concluir o mandato de Lasso até 2025) e os 137 parlamentares que compõe a Assembleia Nacional, além da realização de dois referendos sobre a exploração mineira e petrolífera.

Oito candidatos estão na corrida para a Presidência do Equador, entre os quais está Luisa González, do movimento esquerdista Revolução Cidadã, que lidera as sondagens.

O estado de emergência declarado em resposta ao assassinato de Villavicencio, com duração de 60 dias, é o último de uma série de decretos de emergência do Presidente equatoriano e implica a suspensão de direitos, incluindo o de livre reunião.

As autoridades atribuem ao tráfico de droga aquela que é considerada a maior crise de segurança da história do país.

“Os grupos criminosos equatorianos têm conexões com congéneres colombianos e mexicanos, sendo que o Equador, depois de recentes mudanças nas rotas de comércio da cocaína, tornou-se um centro importante da cadeia de produção, refino e distribuição desta droga, o que fez explodir a violência no país”, afirmou Cristiano Pinheiro de Paula.

Nos países da América Latina, adiantou, o narcotráfico “recruta insatisfações e espalha uma violência sinistra”, explorando “contradições e descontentamentos” que”são arregimentados por atores externos para, depois de instrumentalizados, promoverem os seus interesses por meio da estratégia de dividir para reinar, incentivando separatismos, mudanças de regime, guerras por procuração, golpes de Estado e interferências em processos eleitorais”.

“Parece inequívoco que um ou mais cartéis de drogas estão envolvidos na atual e terrível onda de crimes políticos. Outros atores, no entanto, inclusivamente rivais políticos, empresas e agências de informação, poderão estar a desempenhar um papel crucial”, sublinhou o investigador.

O investigador também citou que o Equador ainda vive o rescaldo do ‘lawfare’ – emprego de manobras jurídico-legais como substituto de força armada, visando alcançar determinados objetivos de política externa ou de segurança nacional – que tem marcado a vida política de vários países da América Latina.

Pinheiro de Paula referiu que a situação do ex-Presidente Rafael Correa (2007-2017) – condenado a prisão no Equador por corrupção e que vive exilado na Bélgica – é muito semelhante à de outros líderes políticos latino-americanos atuais como Cristina Kirchner, da Argentina; Pedro Castillo, do Peru; Evo Morales, da Bolívia; Fernando Lugo, do Paraguai, Manuel Zelaya, das Honduras; e do reeleito Presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva.

Num artigo publicado esta semana no New York Times, o analista Will Freeman sustenta que a “polarização” na política equatoriana “abriu brechas profundas entre os partidários de Correa e seus opositores, incluindo Villavicencio” e após o homicídio deste ambos os campos trocaram acusações pela deterioração da situação de segurança.

“Para seguir em frente”, afirma o analista do Council on Foreign Relations, os vários campos opositores “devem unir-se em torno de um propósito comum – investigar os laços dos grupos criminosos com os detentores de cargos públicos sem tentar proteger os membros do seu próprio campo” superando “as divisões políticas e colocando o país acima do partido”.

“A morte de Villavicencio marca um ponto de inflexão. Mas ainda há tempo para agir antes que o país avance no caminho que a Colômbia e o México percorreram”, defendeu Freeman.

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