HANGARES: A COMUNIDADE ESQUECIDA NO PARAÍSO ALGARVIO
Os habitantes de Hangares (Culatra) foram notícia pelo boicote às últimas eleições autárquicas, mas há vários anos que tentam chamar à atenção. Até agora, ainda não resultou.
Beatriz Abreu Ferreira / Manuel Ribeiro
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1 de Outubro 2021, 16:42
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As eleições autárquicas do passado dia 26.09 começaram de forma agitada na Escola Básica da Culatra. Dezenas de pessoas da Associação de Moradores dos Hangares protestaram contra a falta de condições de habitação na ilha.

A ilha da Culatra, na Ria Formosa, possuí três núcleos habitacionais: a Culatra, o Farol e os Hangares. Desde o 25 de Abril que a população se queixa da falta de água canalizada, de saneamento básico e de eletricidade. Mas o processo de legalização das habitações tem sido lento, penoso, e para muitos ainda nem começou – é o caso dos Hangares.

“Na Culatra já estão a tratar do processo e embora ainda não tenha sido muito desenvolvido, já conseguiram até alguns apoios europeus, mas nós aqui não temos direitos nenhuns”, explica José Lézinho, presidente da Associação de Moradores dos Hangares.

Os Hangares, o ponto central da Ilha da Culatra, são uma zona habitacional com 95 moradores, segundo os resultados dos censos. Aqui, vivem principalmente pescadores e trabalhadores ligados à ria Formosa. Segundo José Lézinho, os estudos da orla costeira atribuíram aos Hangares uma cota de nível 5, o grau máximo. Isso significa que foi reconhecida a esta zona o mesmo nível de segurança que a Faro ou a Olhão perante o perigo das alterações climáticas.

“Foi dada uma nova concessão à Armona, uma ilha vizinha, que tem cota de nível 3, para mais 30 a 50 anos, e achamos muito bem. Mas nós temos nível 5, o nível máximo, e não conseguimos. Alguma coisa se passa aqui, não queremos estar com palavras ocas, mas é estranho… Nós estamos precisamente na parte mais segura, aos outros são dadas concessões e a nós não”, considera o presidente da associação.

A iniciativa das últimas eleições foi mais uma tentativa de provocar mudança. A associação já enviou uma carta a Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República, e até falou com o primeiro-ministro, António Costa, mas foram remetidos para o Ministério do Ambiente e continuam a aguardar resposta. “Há dez anos que anda a passar de umas pessoas para as outras, que um diz que trata, e outro diz que resolve, mas depois… nada”, queixa-se José Lézinho.

“A nossa necessidade primária é a água, porque temos pessoas que vão parar ao hospital com infeções e problemas de pele por causa dos fossos. Para termos um esquentador em casa, porque vimos do mar, à noite, temos de aquecer uma cafeteira para tomar banho”, continua.

Segundo os moradores, nem sequer precisam que lhes seja concedido investimento público. “Não é preciso dinheiro, temos aqui tudo à porta, é só darem autorização. Temos o cabo da luz que nos passa por baixo dos pés, todos os dias, quando vamos trabalhar, mas não nos deixam ter luz. Temos água que passa pela parte detrás da ilha. Temos o barco da carreira que também passa aqui à porta, mas também não pode parar para largar as pessoas”.

“Queremos substituir as telhas dos telhados, que se partem porque já têm muitos anos, e somos autuados porque não temos autorização para as substituir. São multas a partir de 10 mil euros, não é brincadeira”, explica Lézinho ao EuroRegião.

Enquanto o problema da legalização passeia pelo complexo sistema burocrático, os habitantes de Hangares vão procurando soluções para os obstáculos dentro da comunidade. Para os que precisam de trabalhar na zona continental, organizam-se boleias. “Como somos poucos, há uns que vão e dão boleias a outros, e vamos gerindo assim”. Mas com os mais velhos as preocupações são outras, como o acesso a medicamentos e, em contexto de pandemia, a bens alimentares. “Eu ia a Olhão e comprava alimentos e medicamentos para trazer. O Presidente da Junta também ajudou muito com os casos mais carenciados e disponibilizava cestos que depois a Associação ia buscar e entregava”, conta José Lézinho.

“Isto é um problema burocrático, só faltam autorizações mas, até lá, vivemos assim”, conclui.

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